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Uberaba, Minas Gerais, Brazil
Brasileira, casada, Bel. em Direito, consultora/assessora juridico tributário empresarial, Empresária, pecuarista, mãe, esposa...

STJ - DECISÃO SOBRE TELEFONIA

Antes de ler o Recurso Abaixo, registro minha indignação, fazendo minhas as palavras do saudoso cantor Renato Russo:

"A maldade humana agora não tem nome
Hoje não dá.
Pegue duas medidas de estupidez
Junte trinta e quatro partes de mentira
Coloque tudo numa forma
Untada previamente
Com promessas não cumpridas
Adicione a seguir o ódio e a inveja
As dez colheres cheias de burrice
Mexa tudo e misture bem
E não se esqueça: antes de levar ao forno
Temperar com essência de espirito de porco,
Duas xícaras de indiferença
E um tablete e meio de preguiça."



Os termos do Recurso Repetitivo exposta na pagina do site do STJ diz o seguinte:

Recurso repetitivo nº 321



Questões relativas à: (a) legalidade do repasse do PIS e da COFINS na tarifas de serviços de telefonia; (b) aplicação do art. 42, § único, do CDC, na hipótese de eventual repetição dos referidos valores; (c) necessidade de detalhamento dos valores sub examine nas faturas mensais dos consumidores, por isso que mais abrangente do que o recurso anteriormente afetado à 1ª Seção (RESP 1.008.533/RJ).

REPETITIVO. PIS. COFINS. SERVIÇOS.TELEFONIA.


Trata-se, na origem, de ação de repetição de indébito ajuizada por consumidor em desfavor da empresa prestadora de serviços de telefonia, objetivando a repetição dos valores atinentes ao repasse das contribuições sociais (PIS e Cofins) incidentes sobre a fatura dos serviços de telefonia. Desse modo, cinge-se a controvérsia a resolver a lide acerca da legalidade ou não do repasse econômico do PIS e da Cofins nas tarifas telefônicas. A Seção, ao prosseguir o julgamento de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ), por maioria, fixou entendimento no sentido de que o repasse econômico do PIS e da Cofins, nos moldes realizados pela empresa concessionária de serviços de telefonia, revela prática legal e condizente com as regras de economia e de mercado, sob o ângulo do direito do consumidor, com espeque no art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995 e no art. 108, § 4º, da Lei n. 9.472/1997. Em razão da dicção dos mencionados dispositivos legais, dessume-se que é juridicamente possível o repasse de encargos, que pressupõe alteração da tarifa em função da criação ou extinção de tributos, consoante se infere da legislação in foco. Assentou-se que a legalidade da tarifa e do repasse econômico do custo tributário encartado nela exclui a antijuridicidade da transferência do ônus relativo ao PIS e à Cofins, tanto mais que, consoante reiterada jurisprudência desta Corte Superior, a abusividade prevista no CDC pressupõe cobrança ilícita, excessiva, que possibilita vantagem desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da equidade, que não ocorrem no caso. Precedentes citados do STF: ADI 2.733-ES, DJ 3/2/2006; do STJ: EREsp 692.204-RJ, DJe 4/9/2009; REsp 1.099.539-MG, DJe 13/8/2009; REsp 979.500-BA, DJ 5/10/2007; AgRg no Ag 819.677-RJ, DJ 14/6/2007; REsp 804.444-RS, DJ 29/10/2007; REsp 555.081-MG, DJ 28/9/2006; REsp 1.062.975-RS, DJe 29/10/2008; REsp 994.144-RS, DJe 3/4/2008; REsp 1.036.589-MG, DJe 5/6/2008; REsp 961.376-RS, DJe 22/9/2008; AgRg no Ag 1.034.962-SP, DJe 17/11/2008; REsp 994.144-RS, DJe 3/4/2008; REsp 1.036.589-MG, DJe 5/6/2008, e AgRg na SS 1.424-RJ, DJ 6/6/2005. REsp 976.836-RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/8/2010.



COMENTÁRIOS
 
No destaque que fiz no texto acima, resume-se a discrepância dessa decisão, aos quais destaco:
 
"cinge-se a controvérsia a resolver a lide acerca da legalidade ou não do repasse econômico do PIS e da Cofins nas tarifas telefônicas"
 
"por maioria, fixou entendimento no sentido de que o repasse econômico do PIS e da Cofins, nos moldes realizados pela empresa concessionária de serviços de telefonia, revela prática legal e condizente com as regras de economia e de mercado, sob o ângulo do direito do consumidor, com espeque no art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995 e no art. 108, § 4º, da Lei n. 9.472/1997"
 
"é juridicamente possível o repasse de encargos, que pressupõe alteração da tarifa em função da criação ou extinção de tributos, consoante se infere da legislação in foco"
 
A começar a análise pelo aspecto da LEGALIDADE, vamos verificar as Leis citadas que serviram de fundamentação para a decisão:
 
A Lei nº 8.987, de 13/2/95, dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal.

"Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato."



§ 3º Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.



A Lei nº 9.472/1997, é a LGT,  LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES e dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.



"Art 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação específica"



§4º A oneração causada por novas regras sobre os serviços, pela álea econômica extraordinária, bem como pelo aumento dos encargos legais ou tributos, salvo o imposto sobre a renda, implicará a revisão do contrato.



Nunca vi um erro tão grosseiro, chego a não acreditar no que estamos diante, ou seja uma decisão com essa fundamentação! Um absurdo! Inaceitável!
 
Como é que podem afirmar que o repasse econômico do PIS e COFINS, revela-se prática legal com a economida de mercado, com base nas citadas leis acima? Para tudo! Para o mundo que eu quero descer! Então o que aprendemos nos bancos das universidades sobre a obediencia a hierarquia das Leis está tudo errado?!!!
 
Sabemos que TRIBUTOS DIRETOS, incluindo IRPJ/CSLL/PIS/COFINS, poderiam ser ECONOMICAMENTE REPERCUTIDOS, através da tarifa homologada pelas Agencias Reguladoras. Mas veja bem que eu disse "poderiam", contudo NAO DEVEM em hipótese nenhuma serem repassados, pelo simples fato de que NÃO EXISTE LEI COMPLEMENTAR QUE AUTORIZE a repercussão jurídica para o repasse de tais tributos nas tarifas nem de telefonia nem de energia. Confome destaca Baleeiro ((BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualização Mizabel Abreu Machado Derzi. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 886), a possibilidade de aplicação de repasse econômico é somente aplicável ao IPI e ao ICMS, como se verifica pela LEI COMPLEMENTAR 87/96 e pelo CTN.

Num olhar sobre o ângulo Constitucional, o art. 146, III, a da CF/88, diz que cabe à lei complementar definir os fatos geradores, base de cálculo e contribuintes do PIS/Cofins;



E o art. 2º da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991, i deixa claro que COFINS incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços de qualquer natureza (PIS, LC 7/70);



As leis citadas na fundamentação da Decisão, são LEIS ORDINÁRIAS!!! Então eu pergunto, de onde foi que tiraram que uma LEI ORDINÁRIA - nº 9.472, de 16.07.1997 -  Lei de Telecomunicações, e Lei nº 8.987 (contrato de concessão), tem o PODER de transformar alguns dos componentes da Regra-Matriz de Incidência Tributária?  Que absurdo é esse? Estamos diante de uma berrante inconstitucionalidade, porque a competência exclusiva e NÃO DELEGÁVEL - é ditada pela LEI COMPLEMENTAR 70/1991, a qual foi outorgada pela Constituição Federal de 1.988, e essa LEI COMPLEMENTAR, deixou claro que incide  a COFINS sobre o faturamento mensal das concessionárias de telefonia e energia elétrica , e por analogia o PIS, com base na LC 7/70), E NÃO DIRETAMENTE SOBRE CADA NOTA FISCAL DE CADA CONSUMIDOR, como fazem as empresas de telefonia e energia, fazendo vista grossa a ANATELe a ANEEL, e agora consederando "LEGAL" pelo STJ!!!

Se tem alguém, que resumidamente, deu uma aula sobre LEGALIDADE, INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, SUJEITOS DA RELAÇÃO, etc, sobre PIS e COFINS na telefonia, foi o Ministro Herman Benjamim, quando de seu voto no Resp  1053778, o qual aliás, incrivelmente, fora descartado pela Seção do STJ quando da apreciação do mérito. Faço questão de transcrever aqui, partes do referido voto. Ao ler, mata-se a charada:


"VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Trata-se de demanda de consumidor de telefonia fixa, litígio individual na forma, mas de essência e contorno coletivos, por afetar milhões de consumidores em todo o país.
Embora a empresa-ré, neste caso, seja a Brasil Telecom, há notícias de que a prática invalidada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é adotada por outras concessionárias de telefonia fixa.
(...)
Conforme salientei no voto, contribuinte , seja do Programa de Integração Social – PIS, seja da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, é a concessionária do serviço de telefonia; logo, se ela repassou (embutiu) na tarifa os próprios percentuais das alíquotas, vale dizer, praticou incidência indireta , e isso não podia ocorrer, quem deve excluir a cobrança e restituir é exclusivamente ela, concessionária. Desimporta que tenha a ANATEL homologado a tarifa contendo a incidência direta de tais contribuições sobre o preço do serviço.
(...)
Em essência, repete-se o episódio com a tarifa de energia elétrica e o congelamento geral de preços instituído pelo Plano Cruzado, em 1986. O então DNAEE, hoje ANEEL, autorizou reajuste e as concessionárias cobraram.
O Judiciário mandou devolver parte (fevereiro a novembro/1986), sem necessidade de a Agência Reguladora figurar nos processos. Mutatis mutandis , é o caso, agora, com a inclusão do PIS e da COFINS na tarifa de telefone.
(...)
Finalmente, se o repasse é ilegal, entenda-se, incidência direta , também chamado repasse jurídico, vale dizer, com base em norma legal autorizadora, a concessionária não pode opor, face ao usuário do serviço, a exceção de quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, e conseqüentemente descabe argüir a matéria neste processo. Caso tal ocorrer, deve articular pedido administrativo face à Agência Reguladora, e, sendo o caso, inclusive em juízo, para fins de incidência indireta , também chamado repasse econômico , vale dizer, recálculo da tarifa para fins de anular o impacto do custo sobre o contrato.
(...)
3. A prática comercial impugnada: repasse direto e mensal ao consumidor-assinante do ônus do PIS e da COFINS
Discute-se no presente processo a legalidade de prática adotada pelas concessionárias de serviço público de telefonia fixa, que repassam ao consumidor o ônus referente ao PIS e à COFINS.
De acordo com a petição inicial (fl. 4):
(...) os aludidos encargos eram e ainda estão sendo cobrados, incluídos e englobados no preço do serviço anunciado e cobrado de forma não destacada na nota fiscal, fatura ou conta telefônica dos Autores. Tal fato pode ser constatado por meio de simples cálculos com base nas tabelas de preços da Empresa Demandada, constantes no seu próprio "site" na "internet".
Os autores requerem (fls. 30-31):
(...) seja, ao final, julgada procedente a presente demanda para condenar a Ré a não mais repassar o PIS e a COFINS aos Autores, bem como à repetição do indébito, em dobro (...) de todos os valores indevidamente pagos pelos Autores, desde o início de seus respectivos contratos ou da prestação dos serviços com a Demandada, valores estes correspondentes aos encargos PIS e COFINS, incluídos e englobados no preço do serviço anunciado e cobrado de forma destacada, ou não, na nota fiscal, fatura ou conta telefônica dos Autores.
A questão é complexa e envolve incursão no Direito Tributário (momento de ocorrência do fato gerador e sujeição passiva), no Direito Administrativo (legalidade do repasse ao usuário/consumidor dos valores devidos pela concessionária a título de PIS e COFINS) e no Direito do Consumidor (princípio da transparência e princípio da boa-fé objetiva).
Passo a analisar cada um desses aspectos em tópicos separados.
3.1 Aspectos de Direito Tributário
Nesse ponto, o acórdão recorrido colaciona outro voto proferido por aquele Tribunal de Justiça (Apelação Cível 70 014 576 516, Relator Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano), ressaltando que o fato gerador do PIS e da COFINS é o faturamento ou a receita bruta mensal da pessoa jurídica, não se podendo considerar cada operação ou prestação de forma isolada. Destaco trecho do voto:
"(...)
Assim, PIS e COFINS não podem ser confundidos com ICMS e IPI, tanto em relação a seus fatos geradores como com relação as suas bases de cálculo e suas sistemáticas de cobrança.
O fato gerador do PIS e da COFINS, como é admitido pela ré, não é a prestação do serviço, e a base de cálculo respectiva não é o valor ou preço do serviço ou tarifa.
Ao contrário, o fato gerador é o faturamento como sinônimo da receita bruta, e a base de cálculo é o valor do faturamento como receita bruta que inclui, como acentuado, outras receitas extra-operacionais, além daquela estritamente operacional decorrente das tarifas cobradas dos consumidores.
(...)
E assim é porque não há qualquer dispositivo da legislação pertinente que determine que o tributo incida diretamente sobre o preço do serviço ou tarifa, individualmente, prestação a prestação, usuário a usuário, conta a conta. Essas duas contribuições, como já aludido, são muito diferentes, e não se confundem com o ICMS.
E pela mesma ordem de razões também não há qualquer disposição da legislação que determine a cobrança do usuário-consumidor na fatura da conta respectiva, como a ré arbitrariamente entendeu de proceder.
Em razão disso o PIS e a COFINS somente podem integrar o preço das tarifas compondo os seus custos, proporcionalmente, segundo o grau de participação na formação do preço, de modo que o repasse seja somente o econômico, mas jamais o jurídico.
Em face do sistema jurídico vigente, e das disposições constitucionais e legais em vigor, portanto, o repasse do PIS e da COFINS somente pode ser o econômico, e nunca o repasse jurídico.
Enfim, eminentes colegas, o repasse jurídico ou incidência direta , isto é, das próprias alíquotas do PIS e da COFINS sobre o valor pago a título de tarifa de telefone, além de não autorizado legalmente, incorre em tríplice equívoco: (a) contribuinte passa a ser o consumidor, e não o fornecedor; (b) fato gerador passa a ser a prestação do serviço, e não o faturamento ou receita bruta da concessionária; e (c) base de cálculo passa a ser o valor do serviço, e não o valor do faturamento ou receita bruta da concessionária, a qual, conforme bem salientado pelo eminente Des. Cassiano, abrange tanto a receita operacional (decorrente das tarifas), quanto as não-operacionais, observadas as exclusões previstas no art. 1º, § 3º, da Lei 10.637/02, relativamente ao PIS, e no art. 1º, § 3º, da Lei 10.833/03, relativamente à COFINS.
No âmbito do Direito Tributário, devem ser examinados os pontos fixados pela instância de origem: há indevida alteração na sujeição passiva tributária, no fato gerador (ou no momento de sua ocorrência) e na base de cálculo dessas contribuições?
Como visto, o acórdão recorrido concluiu que a adição do PIS e da COFINS à tarifa de telefonia altera, de forma indevida, a relação jurídica tributária, tendo em vista que:
(a) contribuinte passa a ser o consumidor, e não o fornecedor;
(b)fato gerador passa a ser a prestação do serviço, e não o faturamento ou receita bruta da concessionária; e
(c) base de cálculo passa a ser o valor do serviço, e não o valor do faturamento ou receita bruta da concessionária, a qual, conforme bem salientado pelo eminente Des. Cassiano, abrange tanto a receita operacional (decorrente das tarifas), quanto as não-operacionais, observadas as exclusões previstas no art. 1º, § 3º, da Lei 10.637/02, relativamente ao PIS, e no art. 1º, § 3º, da Lei 10.833/03, relativamente à COFINS.
Entendo que a inclusão do PIS e da COFINS na fatura (conta telefônica) não tem o condão de modificar a sujeição passiva tributária. O usuário é tão-somente contribuinte de fato, já que suporta o ônus financeiro, permanecendo a concessionária como contribuinte de direito. Note-se que esse fenômeno ocorre no ICMS e que não há, em relação a este imposto, discussão quanto à sujeição passiva.
Forçoso reconhecer, contudo, que o fato gerador e a base de cálculo do PIS e da COFINS não guardam correspondência direta e imediata com a cobrança (repasse) feita pela concessionária. Como bem salientado no acórdão recorrido, essas contribuições não são devidas no momento da prestação do serviço, nem têm como base de cálculo o valor de cada serviço. As prestações recebidas pela concessionária por força de cada contrato juntam-se a outras receitas na composição de seu faturamento mensal, verdadeira base de cálculo das indigitadas contribuições.
Tanscrevo os dispositivos legais pertinentes:
"Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (Lei 10.637/2002, grifei)."
"Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com a incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (Lei 10.833/2003, grifei)."
Daí se infere que o usuário não paga, propriamente, o PIS e a COFINS devidos sobre determinada operação (conta telefônica), já que esses tributos não incidem diretamente sobre a prestação do serviço.
No mesmo sentido, vale transcrever trecho das razões da Brasil Telecom, no Recurso Especial (fl. 723):
“Ressalte-se que a recorrente não efetua o repasse direto da contribuição ao PIS e da COFINS aos consumidores finais, tal qual ocorre com o ICMS, não havendo que se falar em repercussão jurídica de tais contribuições, mas apenas de repercussão econômica, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico. Aliás, a repercussão econômica dos tributos incidentes sobre a cadeia produtiva é inerente à atividade empresarial, como forma de se obter lucro.
Ora, não há como se negar que todos os tributos constituem custo que serão levados em consideração na composição do preço final, com exceção do ICMS e do IPI que serão suportados diretamente pelo consumidor final, sendo simplesmente transferidos no preço. De fato, os tributos diretos que são suportados pela empresa, contribuinte de fato e de direito, englobam os custos que serão levados em consideração na composição do preço final, sob pena de se anular o lucro da empresa e inviabilizar a prestação do serviço.
A esse fenômeno de repasse do custo tributário dá-se o nome de repercussão econômica que é estudada pelas Ciência Econômicas, que não se confunde com a repercussão jurídica dos tributos.
De fato, não há repercussão jurídica da contribuição ao PIS e da COFINS no presente caso, mas apenas repercussão econômica.
Isso porque referidas contribuições incidem sobre o faturamento da Recorrente, assim entendido como a sua receita bruta.”
Até esse ponto parece-me que a questão não traz maiores problemas em relação ao Direito Tributário: a concessionária é o sujeito passivo, o fato gerador é mensal e a base de cálculo é o faturamento.
concluindo-se que o usuário não paga diretamente o tributo, deve-se indagar sobre a natureza desta prestação.
Como visto, todas as receitas auferidas pelas pessoas jurídicas em virtude da venda de mercadorias ou serviços integram seu faturamento e, conseqüentemente, a base de cálculo do PIS e da COFINS (exceção feita às exclusões legalmente previstas). Desse modo, ao incluir o valor correspondente a essas contribuições na fatura do serviço, a concessionária repassa ao consumidor o custo desses tributos, que serão recolhidos depois da apuração do faturamento mensal.
O que o usuário paga, na verdade, é uma prestação que visa a fazer frente aos ônus financeiros que serão suportados pela concessionária com o pagamento de tributos relacionados, de forma apenas mediata, à prestação do serviço. Nessa linha, têm-se que os valores recebidos pela concessionária constituem preço pelo serviço. Como tal, devem ser considerados remuneração da concessionária (receita que comporá seu faturamento e, desse modo, a base de cálculo do PIS e da COFINS por ela devidos).
Deve-se perquirir, portanto, se é legítimo o repasse de tais valores aos usuários, adicionando-os à tarifa legal e contratualmente estabelecida. É o que o Tribunal de origem chamou de "repasse jurídico ou incidência direta".
Como afirma a própria Brasil Telecom "não há como se negar que todos os tributos constituem custo que serão levados em consideração na composição do preço final, com exceção do ICMS e do IPI que serão suportados diretamente pelo consumidor final, Superior Tribunal de Justiça sendo simplesmente transferidos no preço".
De fato, o consumidor arca indiretamente com os ônus decorrentes, p.ex., do IPTU pago pela concessionária sobre os imóveis de sua propriedade ou da Contribuição Previdenciária relativa a seus empregados. Contudo, esses tributos (exceção ao ICMS) não são cobrados na fatura telefônica como acréscimos, pelo que a "repercussão econômica" se reflete na composição da própria tarifa estipulada para o serviço.
Resta, então, examinar se há previsão legal para que o PIS e a COFINS sejam acrescidos ao valor da tarifa. Aí estamos no terreno do Direito Administrativo, já que a questão diz respeito à política tarifária.



3.2 Aspectos de Direito Administrativo
A recorrente argumenta que "a ANATEL homologa as tarifas líquidas a serem praticadas pelas empresas de telefonia, ou seja, antes da inclusão dos tributos" e que "não há outra forma de calcular os tributos incidentes na operação senão através da recomposição da receita bruta advinda das prestações de serviços de telecomunicações" (fl. 729).
Abstraindo-se por um momento os óbices tributários intransponíveis, acima indicados, a prática comercial em questão enfrenta, por igual, problemas no campo da legalidade: as razões do Recurso Especial não apontam nenhuma norma jurídica - legal ou infralegal - que autorize, expressa e inequivocamente, a cobrança adicional do PIS/COFINS, no período tarifário em questão.
Não pode prosperar o argumento de que a tarifa homologada pela ANATEL é "líquida", pelo que excluiria os impostos e contribuições sociais "incidentes na operação". A uma porque, repise-se, a recorrente não apontou norma legal capaz de fundamentar sua pretensão. A duas porque, ainda que houvesse autorização da ANATEL nesse sentido, o PIS e a COFINS não incidem sobre cada operação individualizada!
Assim, a agência reguladora não poderia, por simples ato administrativo, alterar a sistemática de cálculo e cobrança desses tributos, fixada por lei. Os poderes da ANATEL são muitos, variados e necessários - todos a ela atribuídos pelo legislador de 1997 com o Superior Tribunal de Justiça único desiderato de bem proteger a concorrência leal e o consumidor -, mas não a capacitam para mudar a natureza dos tributos existentes no Brasil, nem para retorcer sua base de incidência ou forma de cobrança.
O fato de as receitas obtidas com a prestação do serviço integrarem a base de cálculo dessas contribuições (= faturamento mensal) não pode ser confundido com a incidência desses tributos sobre cada uma das operações individuais realizadas pela recorrente. Ora, esses valores também integram a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, já que, após as deduções legais, constituirão o lucro da empresa. Nem por isso a Brasil Telecom defende que a parcela de Imposto de Renda e de Contribuição Social Sobre o Lucro relativa a uma prestação determinada de serviço seja adicionada ao valor da tarifa.
Como ressaltado pela própria concessionária, somente o ICMS, por expressa disposição legal, deve ser objeto de destaque e cobrança na fatura, repassando-se diretamente o ônus ao assinante.
Parece-me, portanto, que estamos diante de outro argumento inafastável contra o repasse do PIS e da COFINS na conta telefônica: a ausência - e, mais relevante, a impossibilidade - de previsão regulamentar, pela via de ato administrativo da ANATEL.



3.3 Aspectos de Direito do Consumidor



Se é certo que toda empresa embute em seu preço o repasse econômico dos custos com o pagamento de tributos, não é menos certo que, no caso do serviço público de telefonia, o preço cobrado do consumidor não é fixado pela empresa, a seu alvedrio. Com efeito, a fixação, o reajuste e a revisão das tarifas dependem de expressa e inequívoca autorização da ANATEL, que estabelece a estrutura tarifária lastreada no corpo e espírito da Lei 9.472/1997 (art. 103), bem como no sistema tributário em vigor.
Ademais, a adoção da prática comercial de englobar no valor da tarifa o repasse do PIS e da COFINS viola o disposto no art. 3º, IV, da LGT, que consagra o direito do usuário à informação adequada:
"Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: (...) IV - à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços; Com efeito, a concessionária, segundo suas próprias palavras, nem sequer discrimina na conta telefônica esse verdadeiro adicional à tarifa legalmente estabelecida, impedindo, assim, que o assinante tenha acesso à relevante informação: a de que está diretamente suportando (sem previsão legal) o ônus financeiro do PIS e da COFINS devidos pela prestadora.
Essa prática das concessionárias é abusiva (art. 39, caput, do Código de Defesa do Consumidor) na mais ampla extensão possível do termo: viola de uma só vez os microssistemas da legislação tributária, administrativa, de telecomunicações e de proteção do consumidor. Sem falar que, em operações massificadas desta natureza, especialmente no trato com os chamados sujeitos-profanos – na hipótese, milhões de consumidores não "iniciados" em complexas transações e operações técnicas, comerciais, financeiras ou tributárias –, o fornecedor é sempre tentado (embora muitos, imbuídos de responsabilidade social, resistam) a utilizar a filosofia do "se colar, colou", valendo-se exatamente da "fraqueza ou ignorância do consumidor" (art. 39, IV, do CDC).
Realmente, quantos consumidores se dão conta de uma diferença de poucos reais em sua conta telefônica? Ou, entre aqueles que chegam a descobrir a ilegalidade, quantos se dispõem a levar avante um processo judicial como este, considerando-se todos os óbices formais e informais ao acesso à justiça no Brasil?
A técnica do "se colar, colou" é a antítese dos princípios da boa-fé objetiva e da transparência, que integram a linha de frente do Direito do Consumidor. Pior ainda quando tal técnica perversa se manifesta na composição ou preço, não de produtos e serviços de consumo valiosos, que são mais propensos a controle atento e efetivo pelo consumidor, mas de microoperações multiplicadas por milhões de vezes, individualmente irrelevantes ou insignificantes (pelo prisma da vítima), mas, quando agregadas, extraordinariamente importantes e lucrativas (na ótica do fornecedor).
Por tudo isso, também no campo do Direito do Consumidor, conclui-se que é indevida a cobrança do PIS e da COFINS na fatura telefônica.


4. Dos juros



Em relação aos juros de mora, a recorrente alega que deve ser aplicado o disposto no art. 167, parágrafo único, do CTN. Sustenta, em síntese (fl. 731): a contribuição ao PIS e a COFINS, cuja restituição pretendem os Recorridos têm natureza tributária, não há como se sustentar a aplicação de juros de mora a partir da data da citação.
A norma legal supostamente violada disciplina a devolução de valores indevidamente pagos a título de tributo - repetição de indébito tributário. De acordo com a definição legal, "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada." No caso sob análise, é evidente a ausência dos requisitos legais para que se possa considerar que a cobrança indevida tinha natureza tributária, sendo certo que não decorria de lei e não era "cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".
Ademais, a concessionária não pode ser considerada, sob nenhum ângulo, sujeito ativo da relação tributária.
Assim, é certo que não se está diante de repetição de indébito tributário. Como visto, o repasse dos custos futuros com o pagamento de PIS e COFINS feito pela requerente aos usuários caracteriza-se como adicional à tarifa (cuja cobrança não tem respaldo legal).
Dessa forma, é inviável a aplicação do art. 167 do CTN.

4. Conclusão



Constatada a ilegalidade do repasse do PIS e da COFINS na fatura telefônica, não há como prosperar o apelo nobre.
Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial. É como voto.”

Outro comentário que faço questão de citar, é do brilhante Juiz Federal PAULO ANDRÉ ESPÍRITO SANTO, que concedeu a medida liminar, na Ação Civil Pública, ajuizada na Justiça Federal de Nova Friburgo – RJ, pelo Ministério Público Federal, onde assimjustificou:
Conforme é cediço, um tributo só pode ser considerado indireto, apto a repercutir, quando preencher três características cumuláveis:

1)Previsão em lei;

2)previsão, na CR/88, do princípio da não-cumulatividade; E

3)ter a natureza de tributo que comporte o repasse da sua carga a terceiros, no estrito sentido técnico da palavra (não a repercussão econômica, inerente a quase todos os tributos).

Não tendo as três características acima mencionadas, AO MESMO TEMPO, tal contribuição não pode fazer incidir o fenômeno técnico conhecido como repercussão tributária ou translação. É o que acontece com o PIS e com a COFINS no caso concreto.

(...)

Fazer o consumidor pagar a COFINS e o PIS é presumir indevidamente:

1º)que a essa relação jurídica se aplica o art. 150, § 7º, da CR/88, o que não é possível admitir;

2º) que os consumidores tem receita bruta operacional ou faturamento, e a concessionária, antecipando-se ao fato gerador realizado por aqueles, paga o PIS/COFINS dos mesmos para se ressarcir dos usuários posteriormente, através do repasse de tal ônus; e

3º)que os consumidores realizam o fato gerador do PIS e da COFINS (faturamento), o que não ocorre na prática.

(...)

A concessionária pode até incluir, no preço global da tarifa, o custo do que pagou de PIS e COFINS. Se esse “preço” final é justo ou não, se atende ou não ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, se é justificável ou não frente à atividade prestada, isso são outras questões a serem discutidas no âmbito do contrato de concessão em si.

Não se pode confundir “repercussão tributária” com a “repercussão econômica” da tributação. Apesar da primeira (repercussão tributária) sempre ser econômica, não se pode admitir que o custo de uma tributação naturalmente “direta” seja repassado ao consumidor final. Uma coisa é o custo do PIS/COFINS pago ser inserido no preço da tarifa; outra coisa é a concessionária destacar esse custo e repassar diretamente ao consumidor, transferindo-lhe um encargo tributário e financeiro que não é obrigado assumir.

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DECISÃO DESFAVORÁVEL PARA O CONSUMIDOR DE TELEFONIA

Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 976.836 - RS (2007/0187370-6)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : BRASIL TELECOM S/A
A DVOGADOS : LUIZ ALBERTO PEREIRA DA SILVA FILHO E OUTRO(S)
GUSTAVO DO AMARAL MARTINS E OUTRO(S)
RECORRENTE : CLÁUDIO PETRINI BELMONTE
ADVOGADO : CLÁUDIO PETRINI BELMONTE (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS
RECORRIDO : OS MESMOS
INTERES. : AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL – PGF


EMENTA


DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO REPASSE DA COFINS E DA CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO PIS PELA CONCESSSIONÁRIA AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS, MEDIANTE ACRÉSCIMO NAS TARIFAS. REPASSE ECONÔMICO NÃO DESNATURADO PELO CRITÉRIO FORMAL DETERMINADO PARA SUA CONCRETIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE PRESTAR INFORMAÇÕES ACERCA DA COMPOSIÇÃO DO PREÇO DOS SERVIÇOS. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA SUJEITO AO REGIME DO ARTIGO 543-C, DO CPC.


1. A quaestio iuris ora posta (a qual consiste na investigação a respeito da possibilidade jurídica de transferência dos encargos financeiros decorrentes da COFINS e das Contribuições destinadas ao PIS, pelas empresas concessionárias de telefonia aos consumidores nas tarifas respectivas) não envolve as relações travadas entre os sujeitos ativo e passivo dos tributos, mas sim as desenvolvidas entre as próprias prestadoras dos serviços e seus usuários, e entre aquelas e o Poder Concedente. Assim, a demanda deve ser averiguada mediante apreciação das regras que norteiam a concessão dos serviços públicos e regulam a proteção aos seus consumidores, ou seja, à luz do Direito Constitucional, Administrativo e do Consumidor, essencialmente no que concerne ao regramento específico da composição tarifária do serviço em questão.


2. De acordo com a Lei Geral de Concessões e a Lei Geral de Telecomunicações, a estrutura das tarifas (considerando todos os elementos que as compõem – custos necessários à adequada prestação) deve ter como parâmetro os valores definidos na própria proposta vencedora do procedimento de licitação ou no contrato de concessão.


3. A legislação e a jurisprudência pátria preconizam a preservação da tarifa fixada por ocasião da proposta vencedora do certame licitatório, assegurando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, ou seja, a preservação da justa remuneração para a que haja a prestação adequada dos serviços.


Nesse sentido, o caso ora analisado guarda semelhança com aquele apreciado por ocasião do julgamento do recurso especial representativo de controvérsia referente à cobrança da assinatura básica (RESP 1.068.944/PB, Ministro Relator Teori Albino Zavascki), no qual se concluiu pela legalidade de sua cobrança.

4. Não só o regramento geral das licitações e contratos, mas também a legislação específica da concessão dos serviços de telefonia, prevêem a repercussão econômica dos tributos, excetuando-se desse regime apenas as hipóteses especificamente previstas na lei, conforme preconizam os artigos 65, § 5º, da Lei 8.666/93 (regra geral); a parte inicial do § 3º do artigo 9º da Lei Geral de Concessões (8.987/95), bem como o artigo 108, § 4º, da Lei Geral das Telecomunicações (9.472/97).

5. Assim, tem-se que a possibilidade de transferência dos encargos tributários nas tarifas é a regra geral, sendo necessária regra expressa para que se vede o mencionado repasse. Dessa forma, no que tange às concessões e autorizações referentes aos serviços de telefonia, havendo norma específica determinando a revisão do contrato sempre que houver aumento de encargos legais ou tributos, salvo aqueles incidentes sobre a renda/lucro, o que demonstra, é inequívoca a possibilidade jurídica do repasse ora discutido.


6. Diante desse panorama, merece reforma o acórdão recorrido, justamente porque não equacionou a questão da legitimidade do repasse sob o enfoque acima exposto, mas atendo-se à apreciação da forma adotada pela ANATEL para efetivação do repasse dos ditos tributos, a qual entendeu teria o condão de caracterizar a transferência de encargos como repasse jurídico e não econômico, que é aquele permitido por lei.


7. Ocorre que o critério eleito pela ANATEL para viabilizar o reembolso das despesas decorrentes das exações em questão às concessionárias é meramente formal, e não tem o condão de alterar a questão substancial ora discutida que é, justamente, a composição tarifária. Ora, se a tarifa, de acordo com o arcabouço legal que respalda o contrato e com seu próprio conteúdo, sempre teve em sua composição os custos necessários à prestação do serviço, incluindo os de natureza tributária, tais quais a COFINS e as Contribuições destinadas ao PIS, os valores a eles correspondentes não podem passar a ser considerados como acréscimo indevido à tarifa, simplesmente em razão da forma imposta pela Agência Reguladora para o cômputo de tais tributos, adotada unicamente por razões de natureza prática que, de acordo com a própria agência reguladora, em sua manifestação na qualidade de amicus curiae, “não representa qualquer benefício para o prestador de serviço, nem prejuízo para o usuário [...]”.


8. A mencionada metodologia não tem o condão de descaracterizar a natureza dos próprios tributos (que não incidem sobre a operação individualizada de cada consumidor, mas sobre o faturamento e continuam tendo como contribuinte a prestadora do serviço e não os consumidores), tampouco o caráter unitário da tarifa a qual, para sua formação, sempre teve considerados os valores referentes às despesas tributárias necessárias à prestação dos serviços.


9. O fato de haver obrigatoriedade de se destacar as parcelas do ICMS nas faturas das contas telefônicas, também não é apto a justificar a pretensão ao não repasse das contribuições para o PIS e da COFINS. Isso porque a necessidade de discriminação quanto àquele tributo não decorre de seu cômputo na composição da tarifa e da necessidade de se garantir a manutenção do equilíbrio econôminco-financeiro do contrato, mas simplesmente com o objetivo de dar efetividade à sistemática da não-cumulatividade.


10. No que tange à interpretação do artigo 6º, inciso III, bem como do artigo 31 do CDC, e da extensão do direito à informação clara e precisa, coaduno com o entendimento do eminente Relator, de que tal garantia não importa a obrigação da empresa concessionária de fornecer dados a respeito da composição do preço do produto ou serviço, que, em última análise, não guarda relação com os elementos essenciais sobre os quais o consumidor deve ter conhecimento a fim de eleger o serviço ou produto que irá utilizar.


11. Recurso especial interposto por Brasil Telecom S/A parcialmente conhecido e, nessa parte, provido e apelo interposto por Claudio Petrini Belmonte desprovido, nos termos do voto do eminente Ministro Relator.


VOTO-VISTA


O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES:


Tratam-se de recursos especiais afetados à Primeira Seção, sob o regime do artigo 543-C, do CPC, nos quais se discute, em síntese, a legitimidade/legalidade, do repasse, pela ora recorrente Brasil Telecom S/A, de valores referentes à Contribuição para o PIS e à COFINS diretamente aos consumidores, incluindo-os nas tarifas cobradas pelos serviços.


Emerge dos autos, que Cláudio Petrini Belmonte ingressou com ação de repetição de indébito em face de Brasil Telecom S/A com o objetivo de obter a restituição, em dobro, de todas as quantias referentes aos encargos de Contribuições para o PIS e COFINS, os quais alega serem indevidamente repassados para os consumidores nas faturas relativas aos serviços de telefonia que lhe são prestados.


O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido da exordial, entendendo legítimo o repasse dos encargos tributários em questão.


O acórdão recorrido, ao dar provimento à apelação do consumidor, considerou ilegítimo o repasse dos valores dos mencionados tributos nas contas telefônicas, examinando a lide sob a ótica do Direito Tributário, Administrativo e Consumerista.


Em resumo, decidiu que, tratando-se a Contribuição para o PIS e a COFINS de tributos incidentes sobre o faturamento da empresa, diversos daqueles que têm como fato gerador a própria operação, não podem ser objeto de repasse jurídico (direto, incidente sobre o próprio preço), mas apenas econômico, ou seja, devem compor os custos que são computados para a formação do preço final.


Com base nessas premissas, afirmou que não consta, nem da legislação referente às concessões, tampouco do respectivo contrato, autorização para a transferência direta ao consumidor dos custos com os tributos em questão, uma vez que os mesmos não afetam o equilíbrio econômico-financeiro contratual, o qual, ademais, deve ser aplicado em favor do consumidor. Sob o prisma do Direito do Consumidor, concluiu que há lesão em razão da imposição aos consumidores de tributo aos quais não são sujeitos, bem como em face da ausência de informação precisa a esse respeito nas faturas respectivas.


Eis a ementa do acórdão recorrido:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PIS E COFINS SOBRE SERVIÇOS DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA MEDIANTE REPASSE JURÍDICO DOS TRIBUTOS. RESTITUIÇÃO DEVIDA. Nulidade da sentença inocorrente. Preclusão consumativa e ausência de prova de prejuízo. Revelia parcial não ocorrente. Relação de consumo caracterizada. Preliminares rejeitadas.


A composição de custos da estrutura tarifária dos serviços públicos está sujeita à sindicância judicial em face do princípio da universalidade da jurisdição. Existem tributos que incidem sobre o patrimônio, o lucro, o faturamento, etc., em relação aos quais somente é possível o repasse econômico como componente proporcional dos custos que formam o preço de venda de bens ou da prestação de serviços. Desses tributos são exemplos, entre outros, o IPTU, o IPVA, o ITR, o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS. Tais tributos não podem ser calculados e acrescidos ao preço final, pois somente são computados, na proporção de sua participação, na formação dos custos que compõem o preço final de bens e serviços. É o chamado repasse econômico . E existem outros tributos cujo fato gerador é as operações de venda de bens ou prestações de serviço, e a base de cálculo é o valor das operações ou das prestações. São exemplos desses tributos o ICMS e o IPI, os quais, em face de expressas determinações constitucionais e legais, e porque incidem diretamente sobre cada operação ou prestação, individualizadamente, conta a conta, usuário a usuário, podem ser repassados ao consumidor como acréscimo ao preço ou tarifa final. Este é o chamado repasse jurídico , em oposição ao repasse econômico .


O ICMS adota o repasse jurídico por expressa determinação constitucional e legal e porque incide diretamente sobre cada operação de venda de bens ou prestação de serviço e em razão disso pode ser acrescido ao preço final cobrado do consumidor.


Além disso, também por determinação constitucional e legal expressa, o ICMS é calculado 'por dentro' , o que significa que dito imposto está incluído em sua própria base de cálculo, de modo que a alíquota legal incide sobre uma base de cálculo na qual já está contido o valor do próprio imposto, fazendo com que haja incidência de imposto sobre imposto. Em relação ao ICMS essa sistemática, tanto de acrescer ao preço final, como de calcular 'por dentro' está expressamente determinada pela Constituição Federal (art. 155, § 2º, XII, 'i') e pela Lei (LC nº. 87/96, art. 13, § 1º, I) e encontra respaldo em jurisprudência pacificada do STF e do STJ.


O PIS e a COFINS, diversamente do ICMS, incidem sobre o faturamento como sinônimo de receita bruta, em que estão incluídas não só a receita do objeto social da demandada, 'prestação de serviço telefônico', mas também outras receitas como as de aplicações financeiras e outras receitas extraoperacionais , por isso que tais contribuições não podem ser acrescidas diretamente ao preço ou tarifa final, mediante repasse jurídico, mas apenas podem ser computadas proporcionalmente como custos para formar a tarifa final (repasse econômico), razão pela qual não podem ser cobradas do consumidor mediante acréscimo direto (repasse jurídico) à tarifa final e muito menos podem ser cobradas 'por dentro' como ocorre com o ICMS. Além disso, não há autorização constitucional e legal para que o PIS e a COFINS incidam sobre a prestação do serviço, nem para que sejam acrescidos diretamente à tarifa cobrada do consumidor e nem para que sejam calculados 'por dentro'.O PIS e a COFINS são tributos de fato gerador diferente, de natureza diversa, que não se confundem com o ICMS e não podem adotar a mesma técnica de cobrança deste, mediante repasse jurídico , e muito menos podem ser calculados 'por dentro' , tudo por falta de autorização constitucional e legal e, como dito, porque são de natureza diversa daqueles tributos semelhantes ao ICMS.


A demandada, além de fazer o proibido repasse jurídico do PIS e da COFINS, ainda calcula ditas contribuições 'por dentro' , onerando ilegal e ilicitamente os consumidores, e os lesando mediante prejuízo decorrente de cobrança indevida e a maior. Em face do cálculo 'por dentro' a demandada cobra uma alíquota de 10,19% ao invés de 9,25% (PIS 1,65% e COFINS 7,60%, modalidade não-cumulativa) e uma alíquota de 5,41% ao invés de 3,65% (PIS 0,65% e COFINS 3%, modalidade cumulativa), com o que está lesando os consumidores mediante indevida cobrança 'por dentro' , cujo valor excedente deve ser restituído. O equilíbrio econômico do contrato não é panacéia e não pode ser oposto à pretensão de correção da situação. Primeiro, porque as tarifas telefônicas, em particular as da telefonia fixa, tiveram aumento real ao longo do tempo. Segundo, porque, se a situação é ilegal e ilícita, porque lesa o consumidor e traz enriquecimento sem causa e ilícito para a concessionária, a correção da ilegalidade é impositiva e não se pode alegar quebra da equação econômica do contrato.


Reconhecida a ilegalidade, a ilicitude e a excessividade da cobrança, o direito de restituição é conseqüência lógica e jurídica decorrente. Ausente dolo por parte da demanda na cobrança indevida, a restituição só pode ser na forma simples e não em dobro.


APELO PROVIDO EM PARTE POR MAIORIA. VENCIDO EM PARTE O EMINENTE DES. ROQUE, QUE PROVIA O RECURSO EM MAIOR EXTENSÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE EM PARTE.

Analisando os recursos especiais interpostos nos presentes autos, o eminente Ministro Relator houve por bem conhecer parcialmente o recurso especial interposto por Brasil Telecom S A e, nessa extensão, dar-lhe provimento, bem como negar provimento ao recurso do contribuinte.


Por oportuno, especialmente em razão do lapso de tempo ocorrido desde o inicio do julgamento do presente recurso, entendo ser importante repassar, ainda que de forma resumida, algumas das premissas em que se fundamentou o voto do eminente Ministro Relator:


(i) A concessão do serviço público atribui à concessionária a prestação de serviços originariamente de obrigação do Estado, em nome próprio, de acordo com condições fixadas unilateralmente e modificáveis pelo Poder Publico, garantindo-lhe a remuneração mediante o pagamento de tarifas decorrentes da própria exploração, bem como a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão.

(ii) As tarifas, na qualidade de instrumentos de remuneração do concessionário, são exigidas diretamente dos usuários dos serviços e não ostentam natureza tributaria.


(iii) A regulamentação das tarifas, na relação estabelecida entre o Poder Concedente e a Concessionária, é sujeita a normatização administrativa e as relações entre esta e os consumidores estão sujeitas ao Direito do Consumidor.


(iv) Dessa forma, a legitimidade do repasse de tributos para o valor da tarifa deve ser averiguada à luz do edital de licitação dos serviços, do contrato de concessão, dos atos de regulação do setor, e do Código de Defesa do Consumidor.


(v) A estrutura das tarifas de telefonia decorre: (i) da Lei 8.987/95, cujo artigo 9º aponta como parâmetro o valor fixado pela proposta vencedora da licitação, preservadas as regras legais, editalícias e contratuais de revisão; e parágrafos terceiro e quarto determinam que a tarifa pode ser alterada em razão da criação e alteração de tributos, ressalvando apenas o Imposto de Renda, bem como que deve ser mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato; e da Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), segundo a qual as tarifas e critérios de reajuste e revisão devem ser previstos no contrato de concessão, bem como que cabe a ANATEL estabelecer a estrutura tarifaria para cada tipo de serviço, ressalvando também no parágrafo quarto do artigo 108 que a oneração em decorrência do aumento de encargos legais e tributos.


(vi) A luz de tais dispositivos legais, que são leis especiais em relação ao CDC, é juridicamente possível o repasse dos tributos ora discutidos ao contribuinte.


(vii) Os artigos 6º e 31 do CDC garantem ao consumidor o direito a informações claras e adequadas a respeito dos produtos e serviços a ele oferecidos (especialmente composição e preço), ou seja, informações relevantes, de modo que, “se a situação do consumidor não e alterada pela informação da carga tributaria incidente direta e indiretamente na operação de telefonia (segundo informações da própria ANATEL em parecer exarado nos autos do RESP 859877-RS), a mesma é irrelevante para que o consumidor possa fazer a escolha consciente de qual operadora de telefonia vai contratar, razão pela qual a falta de obrigação legal de ostentação em fatura telefônica, da descriminação dos tributos envolvidos nas operações de telefonia, é inconteste.” Não há obrigatoriedade de se fornecer informações, na fatura, acerca da composição do preço.

(viii) Assim, “o repasse econômico do PIS e da COFINS, nos moldes realizados pela empresa concessionária de serviços de telefonia, revela pratica legal e condizente com as regras de economia e de mercado, sob o ângulo do direito do consumidor”.

(ix) A própria ANATEL, na qualidade de amicus curiae, manifestou-se nos autos no sentido de que a sistemática de discriminação dos valores referentes ao PIS e a COFINS das faturas não importam benefício às concessionárias, mas apenas forma de facilitar a fixação do valor Maximo das tarifas.


(x) A previsão legal de obrigatoriedade de discriminação do ICMS nas faturas não tem ligação com fato de se admitir apenas o seu repasse de forma direta, mas sim com a preservação do Principio da não – cumulatividade.


Em seguida, o eminente Ministro Castro Meira pediu vista dos autos, inaugurando a divergência, no que foi acompanhado pelos eminentes Ministros Denise Arruda, Herman Benjamin e Humberto Martins, para negar provimento a ambos recursos, em síntese, sob os seguintes argumentos:


(i) O acórdão recorrido não afastou a possibilidade de repasse da carga tributaria referente à Contribuição para o PIS e à COFINS para os consumidores dos serviços de telefonia, mas apenas defendeu que tal transferência há de ser econômica e não jurídica, a qual é admitida apenas para os tributos incidentes sobre a própria operação, como é o caso do ICMS. Dessa forma, concluiu que os mencionados encargos devem ser computados na tarifa tão somente no grau de proporcionalidade que têm na formação do preço do serviço.


(ii) Os artigos 9º, § 3º da Lei 8.987/95 e 108, § 4º, da Lei 9.472/97 permitem apenas a revisão tarifária ou contratual (recomposição dos custos) em razão da majoração da carga tributaria (repasse econômico), e não a incidência imediata e direta das alíquotas da contribuição para o PIS e da COFINS sobre o valor da tarifa (repasse jurídico).


(iii) Ausência de antinomia normativa a ser solucionada entre a LGT e o CDC, à luz da teoria do Diálogo das Fontes.


(iv) A eventual quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em decorrência do aumento dos tributos em questão pode ser reparada mediante o procedimento de revisão das tarifas, conforme previsões legais e contratuais.


Por sua vez, o eminente Ministro Mauro Campbell, após pedido de vista, apresentou voto no qual acompanha a conclusão do eminente Ministro Relator.
Reproduzo, por entender conveniente, ainda que de forma reduzida, também os fundamentos do judicioso voto que me antecedeu:

(i) O Principio da Eficiência autoriza a previsão, pelos contratos administrativos, de soluções que, em determinadas situações de fato do príncipe (no caso, o aumento das carga tributaria), possam restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de forma automática, desde que haja anuência da contratante, e respeitados os principios norteadores das lei de licitações e contratos administrativos e outras aplicáveis;


(ii) O procedimento adotado pela ANATEL de fixar tarifas liquidas a serem homologadas após o acréscimo de custos com ICMS, PIS e COFINS é lícito, sendo possível o repasse econômico das contribuições incidentes sobre o faturamento tanto matemática como juridicamente;


(iii) Embora desejável, não há obrigatoriedade de que as empresas concessionárias discriminem os valores do PIS e da COFINS nas faturas referentes aos serviços prestados, já que o interesse dos consumidores se restringe ao valor da tarifa bruta (já acrescida dos custos tributários), para efeito de comparação com valores cobrados por outras concessionárias, mormente porque o repasse de tais tributos, além de inevitável, é econômico e não jurídico.


Para refletir melhor sobre o tema, que encerra grande complexidade, pedi vista dos autos.


E o relatório.


Inicialmente, entendo conveniente destacar que, como bem delineado pelos eminentes Colegas que me antecederam, a presente lide, para ser dirimida, não demanda, de forma direta, a discussão a respeito de questões de índole tributária, tais quais a natureza dos tributos cujo repasse se discute, seus fatos geradores, bases de cálculos e sujeitos passivos.

Em verdade, a quaestio iuris ora posta (a qual consiste na investigação a respeito da possibilidade jurídica de transferência dos encargos financeiros decorrentes da COFINS e das Contribuições destinadas ao PIS, pelas empresas concessionárias de telefonia aos consumidores nas tarifas respectivas) não envolve as relações travadas entre os sujeitos ativo e passivo dos tributos, mas sim as desenvolvidas entre as próprias prestadoras dos serviços e seus usuários, e entre aquelas e o Poder Concedente.

Assim, a demanda deve ser averiguada mediante apreciação das regras que norteiam a concessão dos serviços públicos e regulam a proteção aos seus consumidores, ou seja, à luz do Direito Constitucional, Administrativo e do Consumidor.

Entendo, nessa esteira, que as conclusões a respeito da legalidade/legitimidade da transferência dos encargos tributários nas faturas das contas telefônicas hão de levar em consideração essencialmente o regramento específico da composição tarifária do serviço em questão.

Nesse sentido, pedindo vênia às eminentes opiniões em contrário, acompanho o entendimento externado pelo eminente Relator e seguido pelo eminente Ministro Mauro Campbell, o que faço com as seguintes considerações.

Conforme já relatado, o voto divergente, ao concluir pela impossibilidade jurídica do repasse aos consumidores dos encargos em questão, o fez, em síntese, com base em precedentes da E. Segunda Turma, nos quais se consignou o entendimento de não haver previsão legal expressa e inequívoca para a realização do repasse dos tributos ora discutidos, à semelhança do que ocorreria com os tributos incidentes diretamente sobre as operações ou serviços prestados.

Ademais, acrescentou que, embora seja admissível a restauração ou manutenção do equilíbrio econômico-financeiro contratual eventualmente atingido pelo aumento da carga tributária (inclusive da COFINS e das contribuições para PIS), tal providência não pode ser concretizada por meio do repasse direto de tais exações ao contribuinte, mas apenas mediante a revisão tarifária ou do próprio contrato.

Ocorre que, conforme já mencionado, o exame sobre a possibilidade jurídica do repasse dos tributos nas faturas há de ser feito sob ângulo diverso daquele considerado no acórdão recorrido e nos votos divergentes, ou seja, mediante apreciação da forma de composição da tarifa cobrada pela prestação do serviço.

Para tanto, devem ser considerados os pontos a seguir destacados.

O primeiro deles é o de que, de acordo com a Lei Geral de Concessões e a Lei Geral de Telecomunicações, a estrutura das tarifas (considerando todos os elementos que as compõem – custos necessários à adequada prestação) deve ter como parâmetro os valores definidos na própria proposta vencedora do procedimento de licitação ou no contrato de concessão.


Eis os artigos de lei que traduzem a idéia acima exposta:

Art. 9º - A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.


Lei Geral das Telecomunicações – Lei 9.472/97:


Art. 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço Lei Geral das Concessões – Lei 8.987/95:
[...]
§ 3° As tarifas serão fixadas no contrato de concessão, consoante edital ou proposta apresentada na licitação.

O segundo ponto a ser considerado para a solução da lide é o fato de que a legislação pátria preconiza a preservação da tarifa fixada por ocasião da proposta vencedora do certame licitatório, na medida em que assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, ou seja, a preservação da justa remuneração para a que haja a prestação adequada dos serviços.


É o que se depreende da leitura da parte final do artigo 9º, da Lei 8.987/95, acima transcrito, que remete a regras específicas destinadas à preservação dessa relação inicial entre os encargos e vantagens contratuais, bem como do artigo 65 da Lei 8666/93, que, em seu inciso II, alínea “d” garante a alteração do contrato para:


[...] restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.


A esse respeito, destaco que manutenção da composição tarifária definida originalmente, com vistas à preservação do equilíbrio econômico-financeiro contratual, vem também sendo protegida pela jurisprudência desta Corte, a exemplo do ocorreu por ocasião do julgamento do recurso especial representativo de controvérsia que julgou a questão referente à cobrança da assinatura básica (RESP 1.068.944/PB, Ministro Relator Teori Albino Zavascki), no qual, reproduzindo-se precedente da Relatoria do Ministro José Delgado (RESP 911.802/RS), consignou-se que:


[...]


7. O art. 2º, II, da Lei n. 8.987/95, que regulamenta o art. 175 da CF, ao disciplinar o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, exige que o negócio jurídico bilateral (contrato) a ser firmado entre o poder concedente e a pessoa jurídica concessionária seja, obrigatoriamente, precedido de licitação, na modalidade de concorrência.


8. Os concorrentes ao procedimento licitatório, por ocasião da apresentação de suas propostas, devem indicar o valor e os tipos das tarifas que irão cobrar dos usuários pelos serviços prestados.


9. As tarifas fixadas pelos proponentes servem como um dos critérios para a escolha da empresa vencedora do certame, sendo elemento contributivo para se determinar a viabilidade da concessão e estabelecer o que é necessário ao equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento.


10. O artigo 9º da Lei n. 8.987, de 1995, determina que “a tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação...”.


11. No contrato de concessão firmado entre a recorrente e o poder concedente, há cláusula expressa refletindo o constante no Edital de Licitação, contemplando o direito de a concessionária exigir do usuário o pagamento mensal da tarifa de


assinatura básica.


12. A permissão da cobrança da tarifa mencionada constou nas condições expressas no Edital de Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações (Edital MC/BNDES n. 01/98) para que as empresas interessadas, com base nessa autorização, efetuassem as suas propostas.


13. As disposições do Edital de Licitação foram, portanto, necessariamente consideradas pelas empresas licitantes na elaboração de suas propostas. [...]


Para completar o exame da questão sob o prisma da composição tarifária, há ainda que se considerar que a possibilidade de transferência dos encargos tributários decorrentes das contribuições para o PIS e da COFINS nas tarifas é a regra geral, sendo necessária regra expressa para que se vede o mencionado repasse.


Digo isso porque não só o regramento geral das licitações e contratos, mas também a legislação específica da concessão dos serviços de telefonia, prevêem a repercussão econômica dos tributos nas tarifas, excetuando-se desse regime apenas as hipóteses especificamente ali previstas.


A esse respeito, oportuna a transcrição do artigo 65, § 5º, da Lei 8.666/93 (regra geral), segundo o qual:


Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.


Da mesma forma, é o que evidencia a leitura da parte inicial do § 3º do já transcrito artigo 9º da Lei Geral de Concessões (8.987/95), bem como do artigo 108, § 4º, da Lei Geral das Telecomunicações (9.472/97), in verbis:


§ 3o Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.


§ 4º A oneração causada por novas regras sobre os serviços, pela álea econômica extraordinária, bem como pelo aumento dos encargos legais ou tributos, salvo o imposto sobre a renda, implicará a revisão do contrato. (grifos nossos).


Assim, verifica-se que, no que tange às concessões e autorizações referentes aos serviços de telefonia, há norma específica determinando a revisão do contrato sempre que houver aumento de encargos legais ou tributos, salvo aqueles incidentes sobre a renda/lucro, o que demonstra, inequivocamente, a possibilidade jurídica do repasse ora discutido, já que a base de cálculo dos tributos em questão é o faturamento da empresa, de sorte que sua modificação implica alteração da despesa e, portanto, influencia na composição da tarifa.


Nesse contexto, entendo absolutamente pertinente o raciocínio desenvolvido pelo eminente Ministro Mauro Campbell, ao proferir seu voto, segundo o qual, com fundamento o Princípio da Eficiência Administrativa, é possível que o contrato administrativo de concessão, desde logo, preveja soluções que permitam a possibilidade de restauração automática do equilíbrio econômico-financeiro (como permitem, por exemplo, os artigos 65, § 8º, da Lei 8666/93; 9º, § 2º, da Lei 8987/95; e 108 da Lei 9472/97), desde que não se contrariem os princípios norteadores da licitação e dos contratos administrativos.


E, no caso concreto, o Tribunal de origem consignou expressamente a existência de cláusulas contratuais tendentes a garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mediante a revisão de tarifas, não havendo, para tanto, a necessidade de alteração contratual (fls. 548-549).


Dessa forma, de tudo o quanto foi exposto, pode-se concluir que:


(i) Não se discutem, no presente caso, questões referentes à natureza, fato gerador ou sujeito passivo das contribuição para o PIS e da COFINS, mas sim a possibilidade de seu repasse pelas prestadoras de serviço de telefonia aos usuários, incluindo-os na tarifa;


(ii) A estrutura das tarifas dos serviços públicos, de acordo com as determinações legais, deve levar em consideração o que foi estabelecido na proposta vencedora edital de licitação e no respectivo contrato;


(iii) A legislação pátria protege a preservação das tarifas fixadas nas propostas vencedoras e nos contratos de concessão, com os elementos ai fixados, na medida em que assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro contratual;


(iv) É legal e contratualmente prevista a possibilidade de repasse econômico dos encargos tributários em questão (PIS/COFINS, que incidem sobre o faturamento e influenciam no custo da atividade) ao valor das tarifas exigidas pela prestação dos serviços (regra geral), especialmente com vistas à manutenção da justa remuneração que é imprescindível à prestação do serviço de forma adequada;


(v) Apenas será excluída tal possibilidade mediante norma expressa, como é o caso do Imposto de Renda e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido; e


(vi) A restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato pode ser feita inclusive de forma automática, com fundamento no Princípio da Eficiência Administrativa, podendo o contrato administrativo de concessão, desde logo, prever soluções tendentes a tal providência, desde que não se contrariem os princípios norteadores da licitação e dos contratos administrativos.


Diante desse panorama, entendo que merece reforma o acórdão recorrido, justamente porque não equacionou a questão da legitimidade do repasse sob o enfoque acima exposto, mas atendo-se à apreciação da forma adotada pela ANATEL para efetivação do repasse dos ditos tributos, a qual entendeu teria o condão de caracterizar a transferência de encargos como repasse jurídico e não econômico, que é aquele permitido por lei.


Ocorre que o critério eleito pela ANATEL para viabilizar o reembolso das despesas decorrentes das exações em questão às concessionárias é meramente formal, e não tem o condão de alterar a questão substancial ora discutida que é, justamente, a composição tarifária.


Ora, se a tarifa, de acordo com o arcabouço legal que respalda o contrato e com seu próprio conteúdo, sempre teve em sua composição os custos necessários à prestação do serviço, incluindo os de natureza tributária, tais quais o PIS e a COFINS, os valores a eles correspondentes não podem passar a ser considerados como acréscimo à tarifa, simplesmente em razão da forma imposta pela Agência Reguladora para o cômputo de tais tributos, adotada unicamente por razões de natureza prática.


Como bem ressaltado pelo judicioso voto do eminente Ministro Relator, a própria ANATEL, na qualidade de amicus curiae, “manifestou-se no sentido de que a discriminação na fatura do valor atinente às contribuições para o PIS e COFINS foi uma solução encontrada pela ANATEL para fazer face às variações do valor da tarifa – variações relacionadas ao regime jurídico do ICMS e essa prática não representa qualquer benefício para o prestador de serviço, nem prejuízo para o usuário [...]”(fls. 947-1082).


Consignou-se ainda, na oportunidade, que “A discriminação de um valor de 'tarifa líquida' e de uma 'carga tributária' representou apenas uma solução prática para superar a dificuldade de determinar, de modo abrangente, o valor final máximo a ser cobrado dos usuários”.


Oportuna também a transcrição do trecho do voto do eminente Ministro Mauro Campbell, no qual se esclarece a possibilidade jurídica e matemática do repasse dos tributos, na forma determinada pela ANATEL:


[...] se no caso concreto a base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins não extrapola a exploração dos serviços de telecomunicações (art. 86, da Lei n. 9.472/97, c/c entendimento do STF no RE n. 585.235 RG-QO/MG) e se o ICMS - tributo que incide direta, exclusiva e individualmente na prestação do serviço - compõe a base de cálculo das referidas contribuições (art. 3º, §2º, I, da Lei n. 9.718/98), é certo que estamos diante de uma hipótese em que a carga tributária recai direta ou reflexamente sobre a atividade desenvolvida objeto da contratação. Isto permite a revisão automática das tarifas, conforme o previamente ajustado no contrato.


Veja-se que a incidência exclusiva sobre a receita bruta/faturamento decorrente da exploração dos serviços de telecomunicações permite a quantificação matemática do que seria o PIS/Cofins incidente proporcionalmente sobre o faturamento decorrente de cada prestação de serviço. É esse valor, e não o tributo em si, que é repassado para o consumidor por inclusão automática na tarifa. Em outras palavras, o repasse ao consumidor é inevitável e é meramente econômico e não jurídico.


Ocorre que, com o advento da Lei n. 10.637/2002, art. 1º, e da Lei n. 10.833/2002, art. 1º, que alargaram a base de cálculo do PIS e da Cofins, respectivamente, agora com respaldo constitucional na Emenda Constitucional n. 20/98, o faturamento passou a ser novamente o total de receitas recebidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. Essa mudança não impediu o cálculo exato do valor de ditas contribuições incidentes proporcionalmente sobre o faturamento decorrente do serviço prestado, bastando sobre o valor do serviço incidir a alíquota de cada tributo, pois a alteração legislativa apenas alargou a base de cálculo, não a reduziu qualitativamente ou dela retirou parcela variável do serviço prestado.


Assim, é de se concluir que a mencionada metodologia não tem o condão de descaracterizar nem a natureza dos próprios tributos (que não incidem sobre a operação individualizada de cada consumidor, mas sobre o faturamento e continuam tendo como contribuinte a prestadora do serviço e não os consumidores), tampouco o caráter unitário da tarifa a qual, para sua formação, sempre teve considerados os valores referentes às despesas tributárias necessárias à prestação dos serviços.


Acrescento, ainda sob esse prisma, que o fato de haver obrigatoriedade de se destacar as parcelas do ICMS nas faturas das contas telefônicas também não é apto a justificar a pretensão ao não repasse das contribuições para o PIS e da COFINS. Isso porque, quanto àquele tributo, a necessidade de discriminação não decorre de seu cômputo na composição da tarifa e da necessidade de se garantir a manutenção do equilíbrio econôminco-financeiro do contrato, mas simplesmente com objetivo de dar efetividade à sistemática da não-cumulatividade.


Ademais, ainda na esteira das regras referentes à composição tarifária, cumpre ressaltar que, de acordo com o que afirmou o eminente Ministro Mauro Campbell, as tarifas são fixadas pela Agência Reguladora e não ao alvedrio da própria prestadora do serviço, de modo que não há falar em seu favorecimento em razão da sistemática formal do repasse das exações, como, aliás, se manifestou a própria ANATEL nos autos, conforme evidenciado pelo voto do eminente Ministro Relator.


O que se verifica, dessa forma, é que o próprio acórdão recorrido, em verdade, não considerou ilegítimo o repasse econômico dos tributos em questão para o consumidores (ou seja, em sua substância), mas se ateve tão somente a uma suposta ilegitimidade da forma utilizada para sua concretização, a qual, repita-se, é determinada pela ANATEL e deve ser cumprida pelas concessionárias.


Por fim, no que tange à interpretação do artigo 6º, inciso III, bem como do artigo 31 do CDC, e da extensão do direito à informação clara e precisa, coaduno com o entendimento do eminente Relator, de que tal garantia não importa a obrigação da empresa concessionária de fornecer dados a respeito da composição do preço do produto ou serviço, que, em última análise, não guarda relação com os elementos essenciais sobre os quais o consumidor deve ter conhecimento a fim de eleger o serviço ou produto que irá utilizar.


Ante o exposto, acompanho o voto do eminente Ministro Relator, para conhecer parcialmente do recurso especial interposto por Brasil Telecom S/A e, nessa parte, dar-lhe provimento, bem como para negar provimento ao apelo interposto por Claudio Petrini Belmonte, renovando as vênias aos eminentes pares que votaram em sentido contrário.

É como voto."